Berlim enterra ossos suspeitos de servir à pesquisa nazista

Milhares de fragmentos de ossos humanos que incluiriam os restos mortais de vítimas da era nazista e colonial alemã foram enterrados em Berlim nesta quinta-feira (23/03).

Eles foram encontrados em 2014 durante trabalhos de escavações no campus da Universidade Livre de Berlim (FU), um local que já abrigou o Instituto Kaiser Wilhelm de Antropologia, Hereditariedade Humana e Eugenia.

A universidade acredita que os ossos vieram de “contextos criminais” que remontam ao período colonial da Alemanha e que “alguns dos ossos também podem ter vindo de vítimas de crimes nazistas”.

Segundo um comunicado da universidade, “o enterro ocorreu em um ambiente digno, não religioso e não eurocêntrico”, conforme haviam concordado diversas associações e organizações de grupos que representam as vítimas.

Origem dos ossos ainda é incerta

Nos últimos anos, os pesquisadores examinaram as ossadas por meio de métodos não invasivos. Eles concluíram que os 16 mil fragmentos pertenciam a pessoas de todas as faixas etárias, tanto de homens quanto de mulheres.

“É claro que gostaria de saber quem eram essas pessoas, mas não seria apropriado, dado o que foi feito com elas em nome do instituto”, disse Susan Pollock, a arqueóloga que liderou a pesquisa.

A posição da arqueóloga tem o apoio do presidente da FU, Günter Ziegler, para quem “especificar as vítimas de acordo com certos grupos acabaria por apenas reproduzir os métodos e ideologias racistas do passado”.

Organizações que representam grupos que podem estar entre os enterrados concordaram que não deveriam ser realizadas mais pesquisas para investigar a verdadeira origem dos ossos.

Entre elas, estão o Conselho Central dos Judeus na Alemanha e o Conselho Central dos Sinti e Roma (ciganos) Alemães, bem como a Iniciativa para Pessoas Negras na Alemanha, o Conselho Central da Comunidade Africana, o grupo de trabalho para vítimas da “Eutanásia” e para pessoas forçadas a serem esterilizadas.

A coleção do Instituto de Antropologia e Eugenia

O instituto, que funcionou no local de 1927 a 1945, foi um centro para cientistas nazistas durante a Segunda Guerra Mundial, tais como Josef Mengele, famoso por seus experimentos com prisioneiros no campo de concentração de Auschwitz.

Seu primeiro diretor, Eugen Fischer, realizou pesquisas em colônias alemãs no sul da África no início do século 20.

Além disso, o local também abrigou uma coleção de restos humanos de todo o mundo batizada em homenagem ao antropólogo Felix von Luschan, responsável pelas coletas durante a época colonial.

Vestígios de cola e inscrições encontradas em alguns fragmentos sugerem que os ossos faziam parte de coleções mantidas pelo instituto. Segundo a equipe de pesquisa, contudo, a composição de toda a ossada não corresponde a um típico acervo antropológico ou arqueológico conhecido do século 19 ou da primeira metade do século 20.

“Não se pode descartar, portanto, que alguns ossos sejam provenientes de contextos diretamente relacionados aos crimes nazistas. No entanto, sua origem não pode ser claramente reconstruída”, disse a universidade em comunicado.

Vítimas da “ciência”

Na quinta-feira, os ossos foram enterrados em cinco caixas de madeira no cemitério Waldfriedhof Dahlem, em Berlim, diante de uma lápide cinza onde se lia “Vítimas em nome da ciência”.

“Existem atrocidades sobre as quais nenhuma grama deve crescer ou deveria ser permitida crescer. Lembrar é nosso dever”, disse Ziegler, presidente da FU.

A cerimônia modesta contou com a presença de representantes de grupos perseguidos tanto na época colonial quanto nazista.

“A prática desumana do racismo de pesquisa não previu enterro para os restos mortais e os jogou em covas”, disse Daniel Botmann, representante do Conselho Central de Judeus da Alemanha. “Hoje estamos levando ao seu último lugar de descanso inúmeras vidas cujas vozes e biografias foram extintas.”

Fonte: DW Brasil

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